Dois Dedos de Música com Regula

Processed with VSCO with c2 presetÀs 11 horas de uma manhã de sábado, na barbearia Pente Fino, em Lisboa, demos início a dois dedos de conversa. Tiago Lopes, mais conhecido como Regula, tem 34 anos, cresceu no Catujal, Loures e destaca-se, para além de na sua barbearia, no mundo da música. Os estudos nunca foram algo que o prendesse, no entanto admite que tomou a decisão correta em não ter deixado a escola antes de terminar a nona classe.

“Porquê Regula?” foi a questão que deu início aos quarenta e cinco minutos de conversa que se seguiram. Admitiu que o nome artístico surgiu simplesmente porque lhe soa bem e que não tem nenhum significado especial por trás.

A sua jornada no hip-hop iniciou-se desde cedo, sendo que o rap despertou-se em si nos anos de 1995 e 1996. “Foi a primeira vez que tive contacto com o rap em português, com a compilação “Rapública”, com o álbum dos Da Weasel, “Dou-lhe com a Alma” e com Gabriel o Pensador, foi quase tudo ao mesmo tempo”. Depois de dar os primeiros passos no mundo novo que era a música, apenas ainda na fase de ouvir os trabalhos de outros artistas, Regula catapultou-se para a fase de criação.

Mesmo na fase inicial da sua carreira, em nenhum momento sente que esteve sozinho, ainda que por detrás de si não tenha existido uma agência de maior amplitude. “Tive sempre apoio. Tive apoio do DJ Cruz, tive apoio de rappers, tive apoio de amigos. Não o apoio de um editora major que te trata da promoção, mas de amigos, também da música, que te ajudam, assim como eu fiz com outros”, revela. Sente que o apoio inicial de uma grande editora o poderia ter levado a começar a sua carreira de forma errada, contrariando os passos que foi dando aos poucos e que o fizeram chegar até aqui. “As pessoas vêem toda a minha evolução: eu, quando apareço na música, ainda sou um adolescente e quando o meu nome explode já sou homem. (As pessoas) vêem-me a crescer, vêem o meu progresso todo. Acho que é melhor assim do que aparecer logo em alta e depois é muito mais difícil manter”.

“Se fores subindo, subindo, subindo e com a experiência toda que tens a fazer esse percurso até explodires, depois é saberes manter”, revelou Regula.

Regula fala ainda sobre o vício que desenvolveu em conjunto com a música. “No meu primeiro álbum eu nem sequer fumava e agora nestes últimos já falo de um vício que tenho. Eu sempre fui contra as drogas. Só comecei a fumar todos os dias e mesmo a sério na tropa. (…) Mesmo que tivesse tido outro percurso, acho que isso não me faria começar a fumar mais cedo porque nada na música me influenciou a fumar”.

Desistir nunca fez partes dos seus planos, mas se não fosse o seu sucesso do álbum “Gancho”, a sua carreira poderia ter tomado um rumo diferente. “Eu pensei que, se o álbum “Gancho” não resultasse como resultou, o que eu iria fazer era levar a música só mesmo na brincadeira”, confidenciou o artista. Regula revelou ainda que pretende continuar a levar a música tão a sério como tem levado até aqui. “Até eu sentir que não sou mais relevante”, sublinhou Regula.

Para além da barbearia e da música, Tiago foi pai há pouco tempo, o que o levou a ter de dividir o seu tempo em três e a conciliação de todas as suas responsabilidades dificultam-se devido à música. “Isto aqui (a barbearia) é um trabalho das nove às oito e eu não preciso de estar cá as horas todas. Com a música já não estou tão disponível em termos de horários. Se eu passar o dia na rua, lá para as cinco/seis horas é mais ou menos a hora que eu sinto que tenho de regressar para estar com o miúdo, para brincar com ele um bocado, para lhe dar banho. Não é difícil, mas notei que perdi a disponibilidade total para a música”.

  • Achas que o teu filho te mudou, quer pessoalmente, quer na música?

“Pessoalmente, muda sempre, bastante até. Tudo o que tu fazes estás a pensar nele. O teu subconsciente está sempre ali, tudo o que tu fazes é sempre com mais uma pessoa, para a qual a tua presença é muito importante, em tudo. (…) Mas não vou deixar de falar certas coisas porque agora tenho um filho. Ele vai ouvir, mas um dia há de ser homem e vai perceber tudo da melhor maneira”.

Em relação ao novo álbum, “Ouro sobre Azul”, desvendou que está quase terminado e que lhe restam apenas duas das seis participações totais. Quando questionado se possui expetativas em relação a este projeto, afirma: “Eu não faço expetativas. Aquilo que eu tento fazer é ver se eu estou satisfeito realmente com o que estou a escrever e a ouvir. Tenho os meus princípios e se aquilo está dentro da minha bolha e eu vejo que continuo eu (…) para mim está bom. Faço a música para mim e para um determinado grupo de amigos que sabem especificamente tudo aquilo que eu estou a falar, seja o que for. E depois vem o mundo”.

Sendo este álbum o seu mais recente “rebento”, revelou que, na sua opinião, os trabalhos mais recentes de qualquer pessoa acabam por ser sempre aqueles dos quais estas mais se orgulham. Regula compara a música ao futebol, afirmando que, tal como é possível notar a evolução de um jogador, também é possível notar a evolução nas suas músicas. “Cada vez que faço uma rima acho que está sempre melhor que a última que escrevi”. No entanto, destaca que, por vezes, as pessoas também têm interferência. “O que às vezes confunde um bocado as coisas é se as pessoas estão para te ouvir. São elas que escolhem, e às vezes podem estar noutra onda, e tu lanças o teu melhor projeto só que não teve a mesma adesão que o outro. Não quer dizer que seja pior, tu é que já não estás no radar dessas pessoas”.

Se lhe pedissem para escolher uma música que representasse todos os seus projetos, afirma que escolheria a faixa “Berço d’Ouro”, sendo que é uma música que gosta de mostrar às pessoas.

“Não é “eu consigo”, é “eu tenho que fazer melhor que isto”, porque acho que ninguém deve estagnar. Mesmo que te mantenhas naquele teu estilo, à medida que vais lançando coisas tem que haver uma diferença, mas dentro da tua cena sempre”

O último single que Regula lançou foi “Wake N’Bake”, com Dillaz, com o qual este afirma ter uma boa amizade. “Este som já estava feito praticamente há um ano. (…) Tivemos mais ideias, mas esta foi a que achamos que se identificava mais connosco”. Revela que o videoclip desta faixa foi gravado num bar, no Bairro Alto, bem como numa mercearia, no Cartaxo.

Nunca deixando de dar valor a quem esteve consigo desde o início, contou ao desacordo quem o tem acompanhado e apoiado nesta jornada. “O Samuel, o Dj Cruz, o Holly Hood, o Johnny, são pessoas que me ajudaram bastante. A minha família também, o apoio que me deu, nunca disseram “vê lá a música e se é mesmo isso que queres para o futuro”.

  • Olhando para trás, sentes-te orgulhoso de tudo o que alcançaste até agora?

“Claro que sim. Sinto e ainda falta muito para alcançar. Mas tudo o que conquistei até aqui sinto-me super satisfeito e bem com tudo o que tenho feito, apesar de não gostar de algumas coisas. Como o Ronaldo tem jogos que fez que não gosta, eu, por exemplo, tenho o meu primeiro álbum que nem consigo sequer tocá-lo ao vivo. (…) O que é bom também, verem-te a fazeres tudo desde o início e a subires devagarinho, ajuda-te a ter os pés bem assentes na terra”.

  • E olhando para a frente, onde é que te vês daqui a dez anos?

“Ainda me vejo a fazer música, não sei se com a mesmo actividade com que faço agora, se calhar mais intervalado. Com a barbearia e provavelmente a investir no meu filho, seja qual for o sonho dele.”

A escolha da redatora:

A minha escolha é o tema “Bar Aberto”, por ter sido a primeira música do Regula que ouvi e que me fez querer estar atenta ao seu trabalho dali em diante. Por outro lado, é a música que associo às festas e saídas à noite com os meus amigos e que, por essa razão, acaba por ser um dos seus temas que mais associo a mim própria.

 

Escrito por: Inês Queiroz

Editado por: Adriana Pedro

Fotografia de: André Ferreira

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